A história nunca contada dos Aznag#

Parece que milhões de anos passaram desde os idos de 1986 quando cinco jovens imberbes se lembraram de formar a Primeira Banda de Rock Industrial de Ourém, suportados por parte iguais de inspiração, meios, técnica (zero de cada) e uma imensa vontade de entrar para a história da música, desse por onde desse.

Nome Instrumento
Gonçalo B. rebarbadora, percussões
João M. vozes, percussões
Miguel Â. vozes, percussões
Pedro F. bandolim, ferros
Pedro B. produção, flauta
[ banda ]

The MR Sessions#

Foi nas longas noites de sexta na Tasca do Manuel Raúl que a banda foi definindo os seus objectivos musicais: criar música de intervenção com uma batida definida, guitarradas agressivas e tratamentos revolucionários. Infelizmente nada disto era possível: os mais letrados da banda limitavam-se a rimas do tipo uma enguia na orgia e ninguém tinha qualquer instrumento ou dinheiro para os comprar. Como se não bastasse, ninguém sabia cantar ou tocar fosse o que fosse e os poucos que a isso foram obrigados pelos progenitores optavam quase sempre por passar aquela ‘horita’ no salão de jogos ou noutra coisa qualquer.

Mas nada parecia demovê-los: motivados por quantidades consideráveis de Sagres e sonhos de orgias com dezenas de groupies, a banda deitou mãos à obra e começou a reunir equipamento que mais tarde seria utilizado nas várias sessões de gravação nos Estúdios “Vivenda de S. José”, Ribeirinho, Ourém.

1986#

Para compreender os Aznag devemos também compreender o ambiente e a época em que estavam inseridos. Nos anos 80 (e em boa parte dos 90) em Ourém ouvia-se essencialmente Pink Floyd, Supertramp, Peter Frampton e outras bandas dos anos 70, reflexo duma política muito conservadora por parte das editoras portuguesas. Projectos que tentassem afastar-se desta linha clássica estavam condenados ao desprezo total e generalizado e foi exactamente aqui que os Aznag encontraram o seu público.

Os tempos eram também muito complicados para os que não sabiam tocar qualquer instrumento: até mesmo os Ramones dominavam vários acordes (cinco, pela altura da morte de Joey Ramone) e tinham instrumentos. Bandas como os Sigue Sigue Sputnik, que não tinham a mais pequena ponta de talento nem utilizavam instrumentos, tinham acesso a grandes meios e produtores profissionais.

Outra abordagem, o recurso a sampling e a computadores ainda não estava divulgado: o Fairlight (um dos primeiros samplers) custava o mesmo que um bom carro; a maioria dos computadores tinham poucos kilobytes de memória e o único som que conseguiam produzir era gerado por um beeper monofónico digital de 1-bit e difícil de programar. O recurso a vários gira-discos para remixes era outra hipótese mas não dispunham de mesa de mistura e os gira-discos de que dispunham não eram minimamente adequados, com as habituais moedas de 5 escudos que compensavam o desgaste da agulha. Leitores de CD eram ainda bichos raros, caros e com pouco material disponível.

Os Aznag ficaram-se pelo que conseguiram arranjar:

  • um pífaro, um bandolim, campaínhas velhas, latas, ferros, rebarbadora e arcas alentejanas;
  • uma quantidade apreciável de cassetes de marcas de referência do mercado como as Sonovox, ACME e LDK (sic);
  • as misturas eram feitas recorrendo a dois leitores de cassete a reproduzir simultaneamente em mono para as pistas direita e esquerda dum mesmo gravador, o que apõs várias passagens acabava por resultar na mistura de várias pistas;
  • os tratamentos sonoros eram resultado dum velho sistema de áudio sem cut-off na entrada de microfone, resultando numa supreendente distorção, digna dos momentos mais assanhados dos The Jesus & Mary Chain. Uma modificação no módulo de leitor de cassetes permitia a reprodução / gravação ao dobro da velocidade;
[ k7 ]

Uma banda de sótão#

Reunido mais material do que o que jamais saberiam utilizar, a banda decidiu passar directamente da mesa da tasca para a mesa de mistura, recusando o cliché dos ensaios na garagem e indo directamente para o estúdio improvisado num quarto de sótão.

Desta primeira sessão resultou a destruição parcial das arcas alentejanas e o tema Sou um Aznag (amostra), o único com letras intelegíveis da banda, num desesperado incentivo ao sexo inconsequente com as dezenas de fãs que a isso deveriam estar dispostas.

Este tema nunca foi reconhecido pelo público e mesmo os os membros da banda recusaram dar-lhe tempo de antena nos programas de rádio que na altura apresentavam. Surge aqui em quase estreia absoluta, passados vinte anos.

Bring da noise#

Lembrando a velha máxima da cultura portuguesa Somos tão bons que ninguém gosta de nós!, decidiram optar por uma mudança radical de rumo: afastarem-se definitivamente do pop e apostar no ruído. Deixaram deste modo o rótulo de “putos desajeitados que não sabem nada de música” para assumirem o merecido estatuto de “criadores de música experimental de vanguarda” ou simplesmente “Artistas”, técnica ainda muito utilizada nos nossos dias.

Desta fase chegaram aos nossos dias alguns extractos de algumas das jam sessions: homicídio de latas e campaínhas em Dist 2 - Perc (amostra), devaneios free jazz para pífaro em Pif (amostra) e torturas de um bandolim (lembrando Glenn Branca) no tema Dist 3 - Band (amostra).

Metamorphun#

Estas manifestações avulsas de noise eram depois aproveitadas na criação de outros temas, recorrendo à edição linear e à colagem com temas tratados de outros autores.

Foram até agora encontrados dois temas resultados da metamorfose Aznag: uma adaptação do conceito Frippertronics, aproximação assumida à música ambiental em Freno (amostra); e o espantoso Sons da Cidade (amostra), que acabou por ser o único hit da banda.

15 minutos de fama (ou quase)#

Os Aznag tiveram pouco reconhecimento na altura fruto do seu óbvio vanguardismo e do funcionamento interno da própria banda, que via no debate de ideias a principal actividade, normalmente na mítica Tasca do Manuel Raúl ou em qualquer outro sítio onde a cerveja e o bagaço estivessem a bom preço.

O momento alto da banda foi a selecção do tema Sons da Cidade para a participação numa colectânea da editora bracarense Facadas na Noite. Embora o disco propriamente dito nunca tenha chegado a sair, as várias passagens na Rádio Universitária do Minho e posteriormente noutras rádios trouxeram aos Aznag uma projecção quase internacional.

Pelo caminho ficou também um convite dos finalistas da escola secundária para participação num concerto, que acabou por nunca se realizar por falta de condições técnicas.

Post Scriptum#

Surgiram ainda projectos paralelos como os Tricomonas, dos quais chegou aos nossos dias o tema Ψ (amostra). Muito outro material, especialmente da fase ambiental da banda, encontra-se perdido provavelmente para sempre em cassetes de segunda categoria.

Se hoje em dia é normal aplicar o rótulo Rock Industrial a bandas como Ramsteinn ou Marilyn Manson, este era o Rock Industrial Oureense, sub-tipo para sempre escrito nas páginas da história da música e que tentámos registar nesta página.

Os mais curiosos podem ainda escutar um hipotético Volume 1: 86-90, uma selecção do material reunido e referido nesta página.

Media#

[ capa ]

Dist 1 - Reb (1,6MB 1"09)
Dist 2 - Perc (6,2MB 4"22)
Dist 3 - Band (3,8MB 2"42)
Fig (16,2MB 11"33)
Pif (6,1MB 4"21)
Sons da Cidade (11,9MB 8"29)
Sou um Aznag (mea culpa mix) (5,5MB 3"56)
Ψ (Tricomonas) (3,5MB 2"29)
Freno (15,8MB 11"15)

Ao Gonçalo B.